Toalha na cabeça, peruca e rosto pintados: quadrilha usava disfarces para desviar benefícios sociais dos cidadãos
21/09/2025
(Foto: Reprodução) Criminosos se fantasiavam para desviar dinheiro de benefícios sociais dos cidadãos
Uma quadrilha conseguiu burlar o sistema de segurança da Caixa Econômica Federal por pelo menos cinco anos, desviando benefícios sociais em um esquema criminoso que dependia diretamente da cooptação de funcionários do banco e de casas lotéricas.
A investigação da Polícia Federal (PF) revelou a crueldade do grupo, que utilizava desde sofisticadas fraudes digitais, disfarces e pessoas vulneráveis para validar cadastros falsos. A reportagem, exibida pelo Fantástico, detalha como o grupo agia para acessar o dinheiro de contas digitais de baixa renda.
O grupo era chefiado por Felipe Quaresma Couto, segundo investigação.
A parceria do crime e a propina
Segundo a PF, o desvio de dinheiro era facilitado por uma "parceria do crime". A quadrilha acessava as contas dos benefícios com a ajuda de funcionários da Caixa, burlando o sistema de segurança. Em uma mensagem interceptada, Felipe passava um recado ao comparsa: "16 horas o gera começa a soltar.". "Gera" era um gerente, segundo a polícia.
O delegado da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Wanderson Pinheiro da Silva, explicou que o grupo atuava principalmente na coação de funcionários da Caixa Econômica e de casas lotéricas. A dimensão da corrupção é evidenciada pelo fato de que somente um desses funcionários "recebeu mais de R$ 300 mil de propina".
O funcionário corrupto fornecia o acesso ao aplicativo Caixa Tem aos criminosos. Isso permitia a alteração de dados cadastrais e até mesmo biométricos dos titulares dos benefícios. A quadrilha tinha acesso a "todos os benefícios pagos pelo aplicativo Caixa Tem, como o FGTS, Bolsa Família, abono salarial, enfim, tudo", explica o delegado.
Como funcionava o golpe
No esquema, o funcionário envolvido no golpe apagava os dados dos beneficiários. Em seguida, criava um novo. O cadastro era reiniciado com outro e-mail, outro celular e um novo reconhecimento facial, mas mantendo o mesmo CPF, nome e data de nascimento da vítima. Assim, o dinheiro era desviado diretamente para os criminosos.
A maioria das vítimas era de baixa renda. O delegado Wanderson destacou o impacto social, afirmando que ficar "um, dois meses sem receber um benefício assistencial" causa "todo um desgaste emocional" nas famílias, que precisam buscar uma agência, contestar e aguardar o ressarcimento.
O uso de IA
Para burlar o sistema de segurança de reconhecimento facial, o grupo criminoso usou muitas estratégias. A polícia encontrou milhares de fotos geradas por inteligência artificial. O especialista em reconhecimento facial da PF-RJ, Paulo Cesar Baroni, relatou que os criminosos usavam seus próprios rostos.
Para o reconhecimento facial, o grupo não se preocupava em alinhar fotos e nomes dos cadastros. Segundo um áudio, o importante era "ser uma selfie bem tirada, bem clara, bem nítida”. “E quanto mais nova a pessoa, tá passando mais rápido", diz uma das mensagens interceptadas pela investigação.
Como não podiam repetir a biometria, os golpistas buscavam os chamados "rostos virgens", pessoas que nunca tinham passado pelo reconhecimento facial do banco. O objetivo era criar clientes falsos com dados verdadeiros roubados das vítimas. Eles conseguiam essas pessoas na rua, "pegando pessoas de vulnerabilidade social, moradores de rua mesmo, utilizando essas imagens", explicou Wanderson Pinheiro da Silva.
Felipe Quaresma e os comparsas também se disfarçavam, usando perucas louras, rostos pintados de preto e alterando o corte de cabelo para gerar novas fotos de validação. “Vou até fazer a minha barba pra pintar a cara de novo”, contou um dos criminosos em conversa com comparsa.
O grupo era chefiado por Felipe Quaresma Couto, segundo investigação
Reprodução Fantástico
Desdobramento
A Caixa Econômica informou que participou das investigações, denunciou e afastou os funcionários envolvidos. O banco público reforçou que atualiza diariamente o sistema de segurança e reconhecimento facial para dar tranquilidade aos 140 milhões de usuários do Caixa Tem.
Anderson Possa, vice-presidente de segurança, logística e operações da Caixa, destacou que o banco está criando uma diretoria de cibersegurança, focada em prevenir e reprimir os crimes cibernéticos. “O sistema de segurança é atualizado constantemente. Não só nós, como de todo o sistema bancário. E o sistema bancário, há uma transferência também de inteligência e informação entre os diversos bancos que fazem com que esse sistema esteja sempre se retroalimentando e melhorando”, contou Possa.
Contudo, o especialista em segurança da informação Wanderley Abreu Júnior ressaltou: "Nenhuma tecnologia funciona sem o ser humano". Ele pontuou que se a peça principal, o ser humano, "é corrompida, o sistema cai".
Felipe Quaresma Couto, monitorado pela PF desde 2022, mas que cometia crimes desde 2020, foi preso na última quinta-feira (18) no bar onde trabalhava. As fotos de disfarce estavam nos celulares dele e de Cristiano Bloise de Carvalho, que também foi preso. Quatro outros integrantes estão foragidos. Os dois presos responderão por estelionato qualificado, corrupção de funcionários públicos, inserção de dados falsos em sistema e organização criminosa.
Felipe e Cristiano já foram transferidos para o Complexo de Bangu. Eles tiraram novas fotos na cadeia esta semana, mas, dessa vez, não sorriram.